Uma boa promoção da SATA Air Açores levou-nos a passar quatro dias na ilha de Santa Maria, em pleno mês de Novembro.
Santa Maria é, sem dúvida, a ilha menos falada dos Açores. Talvez por isso tenhamos ficado surpresos por encontrar voos directos e uma promoção com um excelente preço. Não precisámos de pesquisar muito para marcar a viagem... e durante os meses que antecederam a nossa ida, ouvimos vários comentários sobre como iríamos preencher quatro dias numa ilha tão pequena.
Santa Maria é, sabemos agora, uma ilha desvalorizada. Quatro dias são pouco se quisermos, por exemplo, percorrer o único circuito de trilhos pedestres que dá a volta a toda a ilha. São pouco se quisermos aproveitar a praia da proclamada "ilha do sol" (mesmo em Novembro a água estava óptima). São pouco quando sabemos, antes de partir, que vamos ter saudades das pessoas que conhecemos.
Já vos falei do quão especial foi visitar Santa Maria, aqui. Agora quero falar-vos de tudo o que vimos e da diversidade de coisas que esta ilha tem para nos mostrar. Preparem-se, é uma autêntica caixinha de surpresas...
Dia 1
Aterrámos em Santa Maria ao final da manhã e rapidamente percebemos que toda a ilha cabia na paisagem que conseguíamos avistar da janela do avião. É pequena, muito pequena. Brincámos com o tamanho da ilha mas não nos deixámos assentar: pousámos as malas no Hotel Charming Blue (opinião aqui) e partimos em busca de um restaurante para almoçar. Os hambúrgueres do restaurante A Travessa deram-nos a energia suficiente para o plano da tarde: o PR5 SMA - Costa Sul. Falaremos sobre este trilho numa publicação à parte, mas não podemos deixar de vos dizer que passa por alguns dos locais mais emblemáticos da ilha - incluindo alguns que só são acessíveis pelo próprio trilho. São exemplo disso a Pedreira do Campo, onde existe uma quantidade inimaginável de fósseis, a Gruta artificial do Figueiral, e a Prainha, uma apetecível praia deserta. A vista, ao longo de todo o caminho, é inesquecível.
Terminámos o percurso de mais de 7km no timing perfeito: a ver o pôr-do-sol na Praia Formosa, o último ponto do trilho.
Depois de tirarmos o pó e a areia do corpo, jantámos no Mesa d'Oito, o restaurante do hotel Charming Blue. Além de ser o restaurante mais requintado que visitámos em toda a ilha (e experimentámos grande parte dos restaurantes que estavam abertos nesta altura do ano), gostámos principalmente da forma como reinventa os produtos típicos locais com pratos sofisticados e misturas arrojadas.
Dia 2
O taxista que nos levou de regresso ao Hotel Charming Blue depois do trilho do primeiro dia tinha dado instruções claras: "Se amanhã acordarem e não houver nevoeiro, é subir logo ao Pico Alto. Se houver nuvens, escusam de ir..."
Como acordámos e não havia nuvens, fizemo-nos à estrada. Com apenas uma paragem num pequeno miradouro pelo caminho, com rapidez não fosse o nevoeiro aparecer, para eternizar este postal:
E depois, chegávamos ao Pico Alto. Valeu tanto a pena a correria para lá chegar! Este Pico, o ponto mais alto da ilha a 587 metros acima do nível do mar, é um autêntico miradouro a 360º. Todo o contorno da ilha é visível, ali tão perto. Cada um de nós girou sobre si próprio e viu sempre a ilha e o mar, sem fim. Incrível!
Na descida do ponto mais alto da ilha, esperava por nós o Miradouro da Pedra Rija. Pintado de azul, tal como a paisagem de fundo, não poderia ser mais fotogénico do que é. O nome da freguesia também é inesquecível: Arrebentão. Tem hortênsias (mesmo em pleno Novembro), tem campos verdes e tem mar, claro.
Mais uma paragem, mais um postal. Já o disse e repito: visitar os Açores é colocar no roteiro todos os miradouros existentes. O Miradouro das Fontinhas não é excepção, garanto-vos. Apenas é contraindicado a quem já esteja farto de campos verdejantes e mar a perder de vista - se é que isso é possível, claro.
Nesta zona da ilha (como se fizesse sentido dividir uma ilha tão pequena por zonas) abundam as enormes criptomérias, com troncos obsessivamente alinhados e altura a perder de vista. Numa clareira, encontramos o Parque Florestal das Fontinhas, um espaço verde muito agradável com vegetação exuberante, onde reina o silêncio e a natureza. Além de viveiros, tem um parque de merendas e um parque infantil. Daqui, recordamos principalmente a intensidade do chilrear dos pássaros...
Quando dizemos que esta ilha é uma caixinha de surpresas, dizemos com fundamento. E o ponto seguinte do nosso roteiro foi um dos que mais nos surpreendeu. Falo-vos da Ribeira de Maloás, um dos geossítios da ilha de Santa Maria, com uma formação prismática resultante de uma escoada lávica basáltica. Sim, Portugal tem a sua própria "Calçada dos Gigantes" e fica na Ilha de Santa Maria.
O trilho para lá chegar não é fácil e impossível de transitar com lama e mau tempo, mas vale muito a pena. A paisagem é finalizada com uma queda de água de 20 metros e é possível atravessar, facilmente, o leito do rio que lhe dá origem.
De passagem na freguesia de Santo Espírito (assim mesmo, ao contrário), parámos na Igreja de Nossa Senhora da Purificação e encontrámos, também, o único Multibanco em que pusemos os olhos fora da Vila do Porto. Percebemos que estamos num ambiente diferente quando damos por nós a exclamar "Olha um multibanco!!" quando passamos por um, não é verdade? Esta é, sem dúvida, uma ilha diferente. E além da escassez de multibancos, percebêmo-lo também pelos carros com a chave na ignição, pelo vidro aberto com a carteira em cima do banco. Soa tão estranho mas tão natural que até nos sentimos mal quando trancamos o nosso...
Por esta altura, a fome apertava. O caminho levava-nos à Maia, onde queríamos experimentar a tão famosa canja de peixe do Restaurante Grota. Não sabíamos, quando parámos no Miradouro da Pedreira da Tia Raulinha, que não haveria sopa à nossa espera. Mas isso, é outra das surpresas boas desta ilha...
O Restaurante O Grota, na Maia, não tem estrelas Michelin. Nem menu. E eu sei que este não é o espaço em que costumamos falar de restaurantes, mas não posso deixar de vos falar no Grota. Porque é um monumento da ilha de Santa Maria, tal como qualquer outro monumento. É um daqueles sítios especiais...
Entrámos no Grota mesmo vendo um papel na janela a dizer "Sorry, we are closed": Afinal de contas, havia pessoas e loiça suja na esplanada. Fomos recebidos por um sotaque açoriano misturado com expressões americanadas, que nos disse que a comida já tinha acabado. Perante o nosso ar de desespero, disse-nos "Oh my God, não se preocupem, ninguém sai daqui com fome, no no!" e, entre dicas para irmos num instante ver a Cascata do Aveiro, ficou de nos "desenrascar" qualquer coisa para comer enquanto íamos e voltávamos. Comemos, adorámos e voltámos no dia a seguir, com a promessa da canja de peixe à nossa espera! O resto do toque especial do Grota vem mais à frente, prometo.
Agora, mostramos a Cascata do Aveiro. É uma das maiores de Portugal, fica na freguesia da Maia e tem cem metros de altura. Enorme, certo?
Subimos, depois, até ao Farol de Gonçalo Velho. O farol em si não é visitável, mas a vista vale a pena. E há um trilho que pode ser feito até à beira mar, para uma vista incrível.
Não podíamos passar perto e não visitar aquele que é o maior postal desta ilha, a pitoresca Baía de São Lourenço, constituída Reserva Natural. A forma provocada pela cratera vulcânica, as vinhas nas encostas e os tons azuis da água fazem desta uma paisagem única. Além de visitar a baía, aproveitem o Miradouro de São Lourenço ou Miradouro do Espigão, de onde são tiradas as fotografias mais típicas. Se estiver bom tempo, aproveitem a única piscina natural da ilha.
Pelo caminho, a vontade de parar para eternizar a paisagem é grande. Houve vários pontos em que não resistimos mesmo, e o carro lá ficou na berma da estrada. Nunca tínhamos olhado para uma paisagem e pensado que parecia veludo. Na ilha de Santa Maria, isso acontecia-nos a cada "esquina"...
A ilha está cheia de Igrejas e Ermidas. Como nos disseram, "numa zona com tantos vulcões e tempestades, convém rezar". Os açorianos são claramente religiosos. Apesar de termos parado em todas as Igrejas e Ermidas que se cruzaram no nosso caminho, deixamos esse ponto à vossa descoberta e poupamo-vos às dezenas de fotografias de fachadas e interiores. Esta, no entanto, é outra das preciosidades de Santa Maria. Chama-se Ermida de Nossa Senhora de Fátima e é a mais antiga ermida do mundo que lhe foi dedicada, tendo sido construída logo após à Capelinha das Aparições. Tem 150 degraus, um por cada uma das Avés Marias, e 15 patamares, um por cada Pai Nosso que compõe os Mistérios do Terço.
Na estrada que lhe passa em frente, um local abranda e benze-se à passagem. E nós seguimos em frente, a sorrir.
O dia terminou numa das paisagens mais inusitadas da ilha - sim, continuamos com as surpresas. Chama-se Barreiro da Faneca e é um deserto... vermelho. No meio de todo o verde da ilha, existe uma zona completamente árida com 1542 hectares de terreno argiloso. A erosão fez com que se torna-se num verdadeiro deserto, com dunas e tudo.
Jantámos a ver a bola entre os locais, nas pizzas mais famosas da ilha - o Central Pub e, no nosso jetlag de uma hora, fomos para o hotel descansar até ao dia seguinte.
Dia 3
O final de tarde no Barreiro da Faneca tinha sido envergonhado, por isso decidimos voltar e fazer dele o primeiro destino do terceiro dia. Além de visitar os Anjos, que ainda não tinham entrado no nosso roteiro, a única coisa que tínhamos agendada era o regresso ao Grota.
Com sol, o deserto vermelho é ainda mais incrível.
Voltámos depois ao Poço da Pedreira, onde já tínhamos passado no dia anterior mas, graças ao nevoeiro, não tínhamos conseguido tirar fotografias. A exploração da pedreira que aqui existiu, em tempos, deixou na paisagem uma enorme parede vermelha. Além de a ver de baixo e aproveitar o lago, é também possível fazer um pequeno trilho por entre a vegetação e subir a um pequeno miradouro, instalado no topo da parede. A vista é incrível!
Na passagem anterior por Santo Espírito, tão espantados que estávamos com o multibanco, deixámos passar a Cooperativa de Artesanato de Santa Maria. Aqui, além de poderem ver alguns trabalhos manuais realizados, podem comprar os típicos biscoitos de orelha. Durante a semana, é também possível ver os biscoitos de orelha a serem feitos, in loco.
Seguimos daqui para a Maia, onde a canja de peixe esperava por nós. A canja, uma mesa posta no Restaurante O Grota e Aida, a proprietária, que nos recebeu com um abraço. Percebemos imediatamente o motivo da fama desta canja, que até na capa de guias turísticos alemães aparece: é deliciosa, suculenta, com uma mistura de temperos que nos desperta o paladar. E até Ele, o mais esquisito, se rendeu ao pão tostado, mergulhado no caldo. Para sobremesa, uma óptima conversa com a Aida, acompanhada de bolo caseiro com doce de figo. Garanto-vos que das mãos desta senhora saem alguns dos melhores sabores de sempre...
Era tarde já quando nos despedimos, e voltámos a despedir, entre vários assuntos de conversa. Aida largou os Estados Unidos para vir cuidar do restaurante que pertencera ao pai e não deixar morrer aquele espaço que já era mítico. Com a sua mão para temperos, deu-lhe ainda mais fama e nota-se que é feliz ali, a receber calorosamente cada um dos visitantes. Despedimo-nos, finalmente, com dois beijinhos, depois de trocarmos números de telefone e contactos no Facebook. Com a promessa de voltarmos, brevemente!
A tarde já ia longa e havia um ponto que ainda não tinha entrado no nosso roteiro, depois de tantas voltas pela ilha - os Anjos.
Diz-se que Cristóvão Colombo andou por aqui, no regresso da Descoberta da América, e que terá mandado rezar uma missa. Não há certezas sequer que tenha pisado terra, mas a estátua está lá, para não nos fazer esquecer, mesmo em frente à Ermida de Nossa Senhora dos Anjos.
Além de Cristóvão Colombo, há uma linda baía para descobrir, trilhos pelas escarpas e até uma rocha em forma de bruxa. Dizem os locais que este é o melhor sítio para ver o pôr-do-sol, acompanhado de uma cerveja fresca. Para nós não houve cerveja, mas o pôr-do-sol foi tão conquistador como o próprio Cristóvão.
Para o jantar, reservámos mesa num dos restaurantes mais especiais da ilha - o Espaço em Cena. Dois continentais que se apaixonaram pelo Arquipélago e criaram um restaurante saudável e sustentável. A ementa é reduzida e varia todos os dias, mas os pratos são divinais. Nota 20 para a sangria de cidra, original e deliciosa!
Dia 4
O quarto dia amanheceu, confessamos, com nostalgia. Não queríamos ir embora desta paz, desta calmaria. Estávamos (estamos, e continuaremos) rendidos a Santa Maria. Com o avião à nossa espera após a hora de almoço, definimos que o dia seria para descobrir a pé as ruas da Vila do Porto e para visitar o Centro de Interpretação Ambiental Dalberto Pombo (que infelizmente encontrámos fechado).
A Vila do Porto é a "capital" da ilha de Santa Maria e o local onde se encontram a maioria dos restaurantes, os supermercados, os bancos, as únicas duas farmácias existentes na ilha inteira. As casas, tal como em toda a ilha, tem uma clara influência alentejana e algarvia: paredes brancas, barras coloridas. Sabiam que cada freguesia da ilha tem a "sua cor"? É verdade! É possível percebermos que mudámos de freguesia quando as cores das barras mudam.
Visitámos as Igrejas e Ermidas (sim, são várias), percorremos as ruas, entrámos em algumas lojas de comércio local. P'ra cima e p'ra baixo, acabámos por almoçar no restaurante Mesa d'Oito, o único restaurante que servia almoços ao domingo...
Santa Maria foi uma enorme surpresa e nunca tínhamos encontrado tanta coisa num sítio que nos garantiam "não ter nada para fazer". É uma ilha muito rica, muito diversa, com actividades para todos os gostos e curiosidades que nunca poderíamos imaginar. Visitámo-la em Novembro e aproveitámos a praia, imaginem! Diz-se que Santa Maria tem as melhores praias do arquipélago, e do que vimos até agora, não duvidamos.
Ficámos com muita vontade de voltar, quer para matarmos saudades dos lugares em que fomos felizes, quer para fazer os restantes trilhos. A "grande rota" da ilha de Santa Maria tem 78km e, segundo dizem, vistas ainda mais maravilhosas do que aquilo que vimos.
Let's Run Away?
Este roteiro faz parte de uma publicação conjunta sobre os Açores, escrita por vários blogs pertencentes ao grupo Travel Bloggers PT. Descubram mais sobre cada uma das ilhas dos Açores nos seguintes links:
Ilha de São Miguel - TravelB4Settle, Route 92 e Carimbo no Passaporte
Ilha Terceira - ADN Aventureiro
Ilha do Pico - Destinos Vividos
Ilha do Faial - Nós e o Mundo
Ilha de São Jorge - Um dia Vamos
Ilha Graciosa - Nós e o Mundo
Ilha das Flores - Gato Vadio Travel Blog
Ilha do Corvo - Luís Ferreira